30 de agosto de 2007

Zero e falta para o preconceito

Outro dia um aluno meu, após ter me visto provar que estão certas algumas construções sintáticas um tanto estranhas, embora possíveis, desabafou: “Nunca mais corrijo ninguém!” Tem razão meu aluno. Corrigir é tarefa de professor e deve limitar-se à sala de aula. Há inúmeras bobagens ditas por aí em nome do “bom português”. E inúmeros preconceitos contra aqueles que, da ótica de uma classe dominante opressora, não sabem falar direito. Neste ponto, a ignorância e o preconceito de classe se misturam e se confundem. Há os que conhecem a norma-padrão da língua e usam isso como instrumento de poder e de discriminação contra pessoas que, por diversos motivos, falam ou escrevem fora da norma de prestígio. Outros há que, por desconhecer as nuances da língua, julgam erradas frases que a norma-padrão aceitaria com tranquilidade. Mas a maioria das pessoas (com algum estudo) sintetizam o que há de ruim nos dois grupos anteriores: discriminam e corrigem os outros, mesmo sem conhecer bem a norma oficial do português.
Por exemplo, no que eu acabei de dizer: a maioria das pessoas discriminam é uma frase que um monte de gente julga estar errada e corrige: a maioria discrimina”, apontam os incautos, sem se dar o trabalho de ir consultar uma gramática. Outra frase que, por conter uma inversão, pode parecer errada é, por exemplo, É difícil para mim falar sobre isso”. Mim não está conjugando o verbo. (Aliás, ressalte-se, quando se corrige uma frase como “isso é para mim fazer” sob o argumento de que mim não conjuga verbo, demonstra-se desconhecimento — grave — de que o verbo fazer é infinitivo e, portanto, não conjugado. Mesmo o eu, que a norma-padrão exige neste caso, não conjuga infinitivo.) Voltando ao caso, então, o que há aqui é apenas uma inversão que, por ser curta, pode não se separar por vírgula. Mudando a colocação, poderia ficar “Para mim, sobre isso é difícil falar”, “Para mim, falar sobre isso é difícil” ou “Falar sobre isso é, para mim, difícil”. Etc.
Tem uma comunidade no orkut chamada “Eu procuro erros de português”. Eles corrigem, rindo, frases do tipo “Fui ver os meninos brincar” para Fui ver os meninos brincarem. Ora, não se lembram de Cartola (ou Marisa Monte) cantando “Ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar”. Cartola sabia o que estava fazendo. E sabia que tinha a opção de não flexionar o infinitivo neste caso. Assim como tinha a de flexionar. O pessoal da comunidade no orkut não sabe disso. Não estudou a lição numa boa gramática. Mas, mesmo assim, fica apontando erro na fala dos outros.
Na verdade, ser corrigido em público é sempre constrangedor. Interromper uma conversa para fazer alguma correção de linguagem na fala do outro é, no mínimo, uma indelicadeza. A língua serve antes de tudo para comunicar, e errado mesmo é não saber entrar em contato com o outro. E isso inclui ouvir, respeitar e compreender o seu interlocutor, bem como se fazer entender por ele. Na mesma língua.
Voltando à sala de aula, meu aluno talvez não tenha percebido a importância da decisão que estava tomando. Deixar de corrigir os outros é sinal de polidez e de humildade. Não só porque quem corrige pode estar errado, mas porque a conversa fica muito mais agradável e produtiva. Corrigir é tarefa (ingrata) para professor. Da qual ele não deve se isentar. Em sala de aula deve-se corrigir o que o aluno escreve em provas. Deve-se comentar fatos que surjam na fala de alguém. Deve-se apresentar problemas comuns em textos do dia a dia. Deve-se discutir casos complexos, como a estrutura da presente frase (que eu já discuti aqui). Deve-se mostrar usos literários, raros na linguagem falada. Porque o aluno está lá para isso mesmo. Para ampliar seu repertório sintático e lexical. Para ampliar os limites do seu pensamento e da sua capacidade de interpretação. Mas não para ser humilhado pelo professor, nem para aprender a humilhar os outros.
Corrigir é fundamental. Ensinar é fundamental. Esse é o papel da escola, do professor e da educação.

* Só para constar: o corretor gramatical do Word me mandou corrigir várias das frases deste post. Tsc, tsc.

21 de agosto de 2007

Não fi-lo porque não quilo.

Bom, demorei quase cinco meses para cumprir minha promessa de falar sobre as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal. A justificativa está aí no título. Cujos erros, aliás vários, já servem para começar a falar das alegadas distinções. Talvez a mais óbvia delas seja justamente a das regras de colocação pronominal. Mas para que servem mesmo essas regras?

Colocação pronominal tem a ver com questões fonológicas ou de pronúncia. Sotaque, enfim. Todo o mundo já notou que os portugueses engolem as sílabas átonas da frase, certo? Portanto é uma língua que se organiza toda em função das sílabas fortes, provocando o deslocamento dos pronomes átonos para depois delas. Se um português iniciasse, por exemplo, uma frase com um pronome átono, o som seria tão apagado que poucos o perceberiam. "Me dá um cigarro", para citar Oswald de Andrade, sairia um mero "dá um cigarro", talvez com uma certa nasalização antes do "d". "O vi ontem" ficaria "vi ontem", e faltaria o objeto do verbo ver, e a coisa mais grave do mundo para um português é faltar um objeto (ponto que analisaremos em outra oportunidade). Por isso a regra básica de colocação pronominal em Portugal é usar a ênclise, ou seja, colocar o pronome após o verbo. "Dá-me um cigarro", "Vi-o ontem" etc. Lá só se usa próclise (pronome antes do verbo) se houver fatores sintáticos que, na cadeia frasal, estabeleçam um espaço sonoro para o pronome. É o que ocorre em subordinações, por exemplo, dado que as conjunções que as introduzem também são átonas. Aproximam-se duas expressões átonas e pronto: conseguiremos ouvir mais ou menos as duas, antes que outra explosiva sílaba tônica espalhe perdigotos nos nossos óculos.

No Brasil não tem nada disso. Os sons das sílabas ocorrem com mais uniformidade, e após as sílabas tônicas é que ocorre uma queda sonora que apaga frequentemente os sons finais átonos das palavras. Por isso, entre outros fatores, a próclise é mais natural entre nós e, quando se usa a ênclise, é comum substituir-se o pronome átono pelo tônico, como em "Vi ele ontem".*

Aliás, não só a colocação como também o uso mesmo dos pronomes funciona diferentemente. Se eu virar para minha mulher e disser: "Amo-a", ela certamente perguntará, com as unhas cravadas na minha jugular, "Quem?!". Menos grave para minha integridade física, mas ainda um tanto constrangedor, seria dizer "Amo-te", como lá na terra de Saramago se diz. Mas o bom negro e o bom branco da nação brasileira dizem todos os dias: ah, vai, eu te amo.

Isso não ocorre somente na língua falada. Os textos brasileiros escritos cada vez mais adotam como naturais estruturas como "Me deparei com uma questão" ou, como li outro dia num livro do Roberto Schwarz**, "Nos preocupamos em mostrar ao leitor...". Isso não quer dizer que os autores ignorem a prescrição da norma-padrão. Apenas não a consideram relevante. Como, de fato, não o é.

Por outro lado, ocorre frequentemente o fenômeno da hipercorreção, em que alguns falantes acham que estão "falando mais bonito" ao usar a ênclise, e a usam mesmo quando há fator de próclise. É conhecida de todos aquela tenebrosa placa dos elevadores, que diz "Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se neste andar." Fora todos os outros problemas que ela tem, a frase ainda usa a ênclise numa oração subordinada, o que traria naturalmente o pronome para antes do verbo. Usa-se muito também a ênclise em formas de particípio, proibida pela norma-padrão. Outro caso é justamente a frase célebre a que o título do post faz referência. "Fi-lo porque qui-lo" ignora que a conjunção "porque" inicia uma subordinação e que, dessa forma, a norma-padrão aconselharia "Fi-lo porque o quis". Mas num país em que ênclise é sinal de erudição, o vulgo bate palma.

Então, para resumir a história: no Brasil, se usa a próclise, sempre. Mesmo em início de frase (apesar de a gramática condenar este uso). Mesmo na língua escrita. Mesmo em textos formais. Mesmo de escritores cultos. Isso configura uma diferença estrutural entre as línguas do Brasil e de Portugal, uma vez que a colocação dos pronomes tem implicações no som, na ordem, na regência, no léxico, na semântica e no uso.

Me fiz claro? Então tá. Até o fim do ano eu explico o caso dos objetos.


* Nesse caso, não cabe mais falar em "ênclise", pois o termo se refere somente ao uso dos pronomes átonos, ou clíticos.
** SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. Livraria Duas Cidades, Editora 34. Não lembro a página em que achei a frase. Mas aproveita e lê o livro todo, vai.

5 de abril de 2007

O português são dois

Num conhecido poema seu, Drummond afirma, lembrando suas aulas em criança, que "o português são dois: o outro, mistério". Ele se refere, no caso, à diferença entre o português falado e a norma-padrão escrita, aprendida na escola. O fato é que o português do Brasil é mesmo um tanto esquizofrênico, porque a sua forma padronizada está vinculada ao português de Portugal, enquanto sua forma falada, e mesmo as normas cultas modernas, são completamente independentes do que se fala do outro lado do Atlântico. Disso resulta que a língua que se fala e se aprende em casa e nas ruas é tão radicalmente diferente da que se aprende na escola e nas gramáticas, que o falante brasileiro vive sob aquele velho estigma de que não sabe falar português, ou que fala tudo errado e que português é muito difícil etc. (O português é, para falar a verdade, uma língua gramaticalmente mais complicada que, por exemplo, o inglês; basta ver a quantidade de flexões possíveis de uma palavra — os verbos principalmente — no português e compará-la com a de flexões das palavras do inglês. Por outro lado, o inglês apresenta maior dificuldade no que diz respeito ao léxico, ou seja, a quantidade de palavras do inglês é bem maior que no português, o que representa um problema grave para quem aprende aquela língua, sobretudo suas variedades mais formais. Outra dificuldade no inglês é a diferença entre a grafia das palavras e sua pronúncia; mas nisso a língua francesa é muito pior, o que, levando-se em conta a complexidade de sua morfossintaxe, a torna certamente mais difícil que o português e que o inglês. Fecha parêntesis.)
O que torna o português uma língua tão cheia de armadilhas é, antes de tudo, a noção errada de que a língua certa está lá no Velho Mundo e o que falamos aqui é uma corruptela, uma versão mal-adaptada, tosca e ignorante da bela língua de Camões. Nada disso é verdade. Primeiro que, em Portugal, hoje, não se fala mais a mesma língua de Camões; ou melhor, é a mesma, mas mudou. Mudou porque, mesmo na época de Camões, aliás mais ainda nela, não se falava apenas uma modalidade de língua em Portugal, ou seja, a língua apresentava variação. Ora uma variante prevalecia, ora outra, até que se fixou mais ou menos um padrão, que foi sendo lentamente modificado, apesar do conservadorismo linguístico dos nossos irmãos portugas. Foi sendo modificado porque lá, em Portugal, havia contatos e variantes linguísticas específicas, bem como transformações socioeconômicas as quais não havia por aqui, nem à época da Colônia, nem depois. Donde se deduz naturalmente que as mutações pelas quais a língua passou aqui foram diferentes das mudanças pelas quais ela passou lá.
Para não me estender muito, porque não é essa a intenção, digamos que o que foi dito basta como introdução ao assunto de que queremos tratar. Voltando ao ponto inicial, o fato é que a norma-padrão que adotamos hoje como “língua oficial do Brasil” é uma variedade linguística imprópria ao País, a qual não corresponde ao que quase duzentos milhões de pessoas aprendem e usam todos os dias. A maioria dos gramáticos e professores de português usa esse fato como um instrumento de poder, como se eles fossem donos de uma verdade inacessível à massa ignara, o que cria uma relação de dependência que afeta a autoestima da maior parte dos brasileiros e lhes tira a muitos deles o acesso à plena cidadania, dado que quem não fala certo não pode ocupar certas posições sociais etc etc. O que fazer então? Acabar com a norma-padrão e decretar que cada um fala e escreve como der na telha? Não seria boa ideia. Uma padronização linguística é necessária por motivos óbvios, com benefício para o mercado editorial, a imprensa, a correspondência oficial etc, e por motivos mais sutis, como a preservação mesma da unidade linguística nacional e, consequentemente, da sua unidade social, territorial, política.
Então que fazer? Parece-me que as respostas mais adequadas são aquelas que se propõem a estudar e sistematizar a língua usada no Brasil. Em outras palavras, se trataria de concluir que a forma padrão no Brasil é “se trataria” e não “tratar-se-ia”, por exemplo; ou seja, desvincular a norma-padrão brasileira da portuguesa. Não se trata de mudar o nome da língua para brasileiro; mas, sim, de entender, estudar e ensinar o português que se fala no Brasil, independentemente do que estiver ocorrendo em Portugal. Mais ou menos assim: em vez de a gramática (aliás excelente) do Bechara se chamar Moderna gramática portuguesa, poderia se chamar “Moderna gramática brasileira”, ou “Moderna gramática do português brasileiro”. Ou a do Celso Cunha, olha que bonito: “Novíssima gramática do português brasileiro contemporâneo”. Em vez de me ensinarem na escola que o certo é “Dá-me um café”, como se fala (sim, se fala, desde os primeiros anos de vida de uma criança) em Portugal, me ensinariam a dizer (e escrever), corretamente, “Me dá/dê um café”. Por favor.
Isso se justifica? Será que as diferenças entre o português do Brasil e o europeu não se resumiriam simplesmente à pronúncia e ao vocabulário, motivo aliás tão grande de piadas entre os dois povos? Quando lê, por exemplo, um texto formal escrito em Portugal, o brasileiro não entende perfeitamente? Sim, claro, desde que ele tenha estudado, porque o que ele aprendeu na escola, na mesma aula que o Drummond, foi o português de Portugal. Nós somos especialistas em português padrão de Portugal. (Digo o padrão porque, caso lêssemos um texto informal português, estranharíamos deveras, porque não foi isso que aprendemos na escola; mas isso é assunto para depois; enquanto isso, experimente ler, num blogue português, a caixa de comentários, que normalmente é mais informal que as postagens.)
Mas, como conhecemos muito a língua de Portugal e estudamos pouco a do Brasil, não percebemos as diferenças tão importantes que há entre as duas. Diferenças estruturais, sintáticas, não apenas de pronúncia e de vocabulário. Verificar e compreender algumas dessas diferenças será a tarefa deste blogue e de seus dois ou três leitores nas duas ou três próximas postagens.
Até breve.

24 de fevereiro de 2007

Voz passiva

Marcos Bagno e outros importantes linguistas brasileiros chegaram a uma conclusão surpreendente: não existe voz passiva sintética no português do Brasil. Por isso se diz naturalmente "Vende-se carros", "Joga-se búzios", "Aluga-se casas para temporada" etc.
Mas peraí. Vamos dar dois passos atrás e ver o que é voz passiva sintética.

Em toda estrutura oracional, a relação entre o sujeito e o verbo é privilegiada pela gramática tradicional. Portanto é a primeira relação que se deve estabelecer numa análise sintática. Há duas restrições: o sujeito deve ter caráter substantivo e não pode vir preposicionado. E é ele quem conjuga o verbo, ou seja, o verbo concorda em número, pessoa e gênero (no caso da voz passiva) com o sujeito. Então, por exemplo, em "Vende-se carros", a interpretação tradicional manda que, em primeiro lugar, se encontre o sujeito do verbo vender. "Carros" tem caráter substantivo e não está preposicionado. É, de fato, o sujeito e, por isso, o verbo deve manter concordância com ele. Daí "Vendem-se carros". A Linguística moderna diz que isso é forçar a barra e não encontra respaldo para essa concordância no uso brasileiro da língua. Estão com a razão. Na língua coloquial, usa-se esta estrutura como voz ativa. Mas a norma-padrão ainda obriga o uso da estrutura passiva sintética (pronominal).
As dúvidas são frequentes, porque o falante entende que "carros" é objeto, e não sujeito. Daí frases como a que mencionei na postagem anterior: "Isolou-se-a". Isso é para evitar dizer "Isolou-se ela", que parece errado, mas está certo. Por quê? Porque "ela" é sujeito de "isolou-se". Outro exemplo:

Não se veem turistas por aqui.
Se eu quiser pronominalizar o termo "turistas", fica como? Não se os veem por aqui? Não. O pronome "os" é oblíquo, funciona como objeto. E "turistas", lá em cima, é sujeito paciente (semanticamente, vale como "Turistas não são vistos"). Se é sujeito, o pronome que o substitui é reto: no caso, ele. Fica assim, então:

Não se veem eles por aqui.
Isso só pode ocorrer na voz passiva. Na ativa, por exemplo, "Não vejo turistas por aqui", a pronominalização de "turistas" (que é objeto; o sujeito é "eu") obriga o uso do pronome oblíquo. Fica "Não os vejo por aqui".

Resumo da ópera, voz passiva sintética existe, sim, apesar de não usual na língua falada no Brasil. Mas a norma-padrão pede o seu uso, e em situações de formalidade deve-se seguir ela.
Opa! Se você prestou atenção na postagem anterior, vai perceber que, nessa frase que eu acabei de escrever, valia também dizer "deve-se segui-la".

Ai, agora complicou tudo...


29 de janeiro de 2007

Pode-se fazer duas concordâncias

Isso mesmo. Ou "podem-se fazer duas concordâncias" ou "pode-se fazer duas concordâncias". Essa estrutura tem dupla possibilidade de concordância porque pode ser analisada de duas maneiras diferentes. A primeira possibilidade é considerar poder fazer como uma locução verbal e, portanto, tratá-la como uma estrutura de voz passiva. Assim:
- podem fazer = locução verbal;
- duas concordâncias = sujeito;
- se = pronome apassivador.
A segunda análise possível trata a frase como um período composto (ou oração complexa, na denominação extremamente cabível de Evanildo Bechara, da qual podemos falar noutra ocasião), considerando fazer duas concordâncias como uma oração subordinada. Assim:
- pode = oração principal, na voz passiva;
- fazer duas concordâncias = oração subordinada substantiva subjetiva.
Na primeira análise, o verbo poder fica no plural para concordar com seu sujeito, duas concordâncias. Na segunda análise, o verbo poder fica no singular porque seu sujeito é uma oração (fazer duas concordâncias) e, nesse caso, o verbo fica sempre no singular.

No caso da frase que usei aqui, "Ouve-se pessoas dizerem", a análise que faço é a seguinte:
- ouve-se = oração principal, sendo o se
pronome apassivador;
- pessoas dizerem = oração subordinada substantiva
subjetiva, ou sujeito oracional.
Portanto, se o verbo tem sujeito oracional, fica no singular. Se eu dissesse "ouvem-se pessoas dizerem", eu cometeria uma estrutura que ainda não vi nenhuma gramática esclarecer bem, a qual mistura a voz passiva com o sujeito do infinitivo. Está certa? Provavelmente sim. Analisamos o caso noutra oportunidade.
O fato é que muita gente, inclusive professores e bancas examinadoras, acreditam que estruturas como Pôde-se ouvir os tiros ou Deve-se considerar esses problemas estão erradas. E não estão. Dica de macaco velho: em provas e concursos, use Puderam-se ouvir os tiros e Devem-se considerar esses problemas, só para garantir.
Aliás, voz passiva sintética é uma estrutura muito discutida e bastante intrigante da língua, e gera dúvidas as mais diversas. Por exemplo, hoje li num livro sobre relações internacionais a seguinte frase: "Quanto à Argentina, isolou-se-a da discussão por meio da construção de novos eixos etc". Isolou-se-a? Está certo isso?
Resposta e análise no próximo capítulo.